quinta-feira, 14 de agosto de 2025

 

Assunção de Nossa Senhora

Padre João Medeiros Filho

A solenidade da Assunção de Nossa Senhora é celebrada na liturgia católica, no dia 15 de agosto. Entretanto, no Brasil, a festividade foi transferida para o domingo subsequente à data. O culto à Virgem elevada ao Céu é um dos mais antigos do catolicismo, remontando ao século V. Em 1º de novembro de 1950, pela Bula “Munificentissimus Deus”, o Papa Pio XII proclamou o dogma da Assunção, declarando: “Terminada a sua peregrinação terrena, Maria foi assunta ao Céu em corpo e alma.”  

Os teólogos divergem sobre a morte biológica da Mãe de Jesus. Alguns acreditam e ensinam que Ela não morreu. Partem do argumento de sua Imaculada Conceição. Se por dádiva divina foi preservada de todo o pecado e gerou o Filho de Deus, não deveria perecer, como os demais seres humanos. Outra corrente teológica afirma que a morte, enquanto término da vida terrena, tornaria a Mãe Celestial semelhante a seu Unigênito. Por essa razão, Ela haveria de passar por tal momento, pois Cristo, o Senhor da Vida, aceitou padecê-lo. Os defensores dessa teoria acreditam que a Corredentora faleceu, mas foi poupada da degradação corporal, consequência do pecado. Assim seu corpo, “primeiro sacrário de Cristo”, segundo expressão de São João Paulo II, não se corrompeu. O Magistério da Igreja preferiu não entrar no mérito dessa questão, considerada menos relevante por certos teólogos. A Virgem Santíssima desempenhou um papel fundamental no cristianismo e por isso merecia ser arrebatada por Deus para a glorificação imediata. Seu corpo santo e puro, exemplar da beleza do ser humano, criado pelo Pai nos primórdios da história, não poderia ser destruído. A “imagem resplandecente do Deus vivo e seu rosto materno na terra”, consoante São Boaventura, deveria brilhar imediatamente na Eternidade.

A Assunção de Maria Santíssima é motivo de ufania para os cristãos. Elevada ao Céu, torna-se ainda mais nossa intercessora. Daí, o orago de Medianeira das Graças. Deus distinguiu a Genitora de Cristo e Nela a criatura humana foi exaltada. Assim, entende-se o merecido título de Nossa Senhora da Guia ou da Glória. Seu corpo imaculado, após a peregrinação terrena, foi transportado ao Céu, enquanto primícias dos justos. É significativo o louvor que se presta à Virgem Santíssima, denominando-a de Nossa Senhora da Vitória ou do Paraíso, como a invocam os cristãos greco-melquitas.

Maria é ícone e esperança de quantos aspiram por liberdade e vida, alegria e paz. É garantia de que Deus nos reserva a beleza da Eternidade. É a certeza do amor incomensurável de seu Filho, que nos resgatou e morreu para nos libertar. Não gozamos do privilégio de ser arrebatados ao Céu em corpo e alma, imediatamente após a nossa morte. No entanto, podemos elevar a Deus o espírito para que seja tomado pela sua graça infinita. A Virgem de Nazaré ensina-nos que o Onipotente opera em nós maravilhas. Ela está ao lado de seu Filho para interceder por nós. Aquela que foi alçada à eterna morada, em corpo e alma, convida-nos a levantar a cabeça, acima das míseras tentações do mundo.  A Assunção de Maria não é um sonho, e sim a esperança de todos os cristãos de que um dia o Pai nos chamará para a glorificação. Maria Assunta ao Céu é a conclusão de sua existência, desfecho inevitável da pureza e santidade, do amor e fidelidade ao Deus da Vida.

A Assunção da Mãe de Jesus é fruto de toda uma trajetória dedicada ao plano de Deus, que deseja a libertação para o seu povo. Maria é penhor de quantos aspiram por paz e liberdade. Ela, por Cristo, mostra-nos o caminho que leva a Deus, nossa origem e destino.  O Pai Celeste não esquece seus filhos, nem os abandona. Exalta-os e recompensa pela fé. Nossa Senhora indica-nos como viver a peregrinação terrena, não obstante as dores e provações. Acreditou num mundo novo, o qual começa com o nascimento de seu Filho e vai se tornando concreto, à medida em que cresce a consciência da necessidade de amor e fraternidade, diálogo e serviço.  Maria coloca-se como um instrumento nas mãos de Deus. “O Todo-Poderoso fez por mim grandes coisas, santo é seu nome” (Lc 1, 49).

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

 


Dia do Advogado - OAB 2025

CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES – Membro Honorário Vitalício da OAB/RN

Lição de TRISTÃO DE ATHAYDE:
"O passado não é aquilo que passa, mas o que fica do que passou".

Com o caminhar do tempo e já ciclo da velhice, teimo em evocar a criação dos cursos jurídicos em 11 de agosto de 1827, gesto que permitiu o surgimento de ideais corporativistas, à imagem da Ordre des Avocats da França, berço cultural dos bacharéis do Brasil.
A data de 11 de agosto, por conseguinte, foi escolhida para comemorar essa grande iniciativa, considerada como O Dia do Advogado, consagrando as forças do primitivo ideal do Parlamento do Império – alforriar, além da independência política que fora conquistada, também a liberdade intelectual, através dos Cursos de Direito de Olinda, Recife e São Paulo, como verdadeira Carta Magna, que nos ofereceram os sempre lembrados Bacharéis Teixeira de Freitas, José de Alencar, Castro Alves, Tobias Barreto, Ruy Barbosa, o Barão do Rio Branco, Joaquim Nabuco, Fagundes Varella, dentre tantos.
Sob a influência da Revolução de 1930 foi criada a Ordem dos Advogados do Brasil, que teve como primeiro presidente o advogado Levi Carneiro, o qual a comandou por muito tempo, tendo por instrumento primeiro o Decreto nº 19.408, de 18 de novembro de 1930, que assim proclamava:
Art. 17. Fica criada a Ordem dos Advogados Brasileiros, órgão de disciplina e seleção da classe dos advogados, que se regerá pelos estatutos que forem votados pelo Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, com a colaboração dos Institutos dos Estados, e aprovados pelo Governo.
O Rio Grande do Norte foi um dos primeiros Estados a criar a sua Seccional, partindo da ideia do consagrado jurista Hemetério Fernandes Raposo de Mello, então Presidente do Instituto dos Advogados do RN, em reunião preparatória realizada no longínquo 05 de março de 1932, no prédio do Instituto Histórico e Geográfico, presentes os causídicos Francisco Ivo Cavalcanti, o Primeiro Presidente, Paulo Pinheiro de Viveiros, Manoel Varela de Albuquerque, Bruno Pereira e Manuel Xavier da Cunha Montenegro e oficialmente reconhecida em 22 de outubro do mesmo ano.
Hoje, tendo por comando o Estatuto da Advocacia e da OAB, aprovado pela Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994, vem mantendo altaneiros os princípios e propósitos dos fundadores, cujos fins estão assim marcados:

Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:
I – defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas; II – promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.

A atual administração, do Presidente Carlos Kelsen, tem a responsabilidade de conduzir o mesmo espírito de luta dos antepassados e nesta oportunidade temos de enaltecer a figura singular de um dos seus maiores dirigentes, no 7º dia da sua Páscoa - ODÚLIO BOTELHO. Que Deus o tenha em sua Mansão Celestial.
PARABÉNS COLEGAS ADVOGADOS QUE CONTINUAL NA DEFESA DA LIBERDADE E DOS DIREITOS HUMANOS.

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

 

Domingo dos Pais

Padre João Medeiros Filho

No Brasil, celebra-se o Dia dos Pais, no segundo domingo de agosto. O sentimento de paternidade está no âmago da doutrina cristã. Jesus incluiu em sua mensagem central a figura do pai, desvelada do mistério trinitário. Ele procurou dar consciência dessa realidade e transmitiu uma religião paternal. Quando os apóstolos Lhe pediram que lhes ensinasse a rezar, assim se expressou: “Quando orardes, dizei: “Pai, santificado seja teu nome” (Lc 11, 1-2; cf. Mt 6, 9-13). Nesta oração, as primeiras súplicas são voltadas para a necessidade de reconhecer Deus, que nos gerou para a vida em plenitude. O apóstolo Paulo assevera-nos de nossa filiação divina, ao lembrar na Carta aos Romanos: “Recebestes o espírito da adoção filial” (Rm 8, 15). A cultura bíblica veterotestamentária alçava a condição paterna do homem, próxima do sagrado e divino. O código de ética religiosa, contido no Decálogo, estabelece o respeito devido aos pais, logo após enunciar os deveres com o Onipotente e antes de enumerar nossas obrigações com os semelhantes. “Honra teu pai” (Ex 20, 12), aconselha o Livro do Êxodo. Tal recomendação é endossada pela Carta aos Efésios: “Filhos, sede obedientes a vossos genitores” (Ef 6, 1).

O cristianismo prega um Deus paternal, que vela por nós. Trata-se de algo insólito na história das religiões. Não somos órfãos, largados à própria sorte. Os homens podem nos deixar esquecidos, abandonados, à deriva em nossa trajetória existencial. Entretanto, há alguém que nunca nos abandona: Deus. Nossos progenitores terrenos são ícones Dele, que é rico de clemência, pródigo de bondade, compaixão e afeto. Por outro lado, Cristo revelou que a paternidade não consiste simplesmente numa geração biológica, mas em tudo aquilo que faz brotar dentro de nós amor, respeito, fidelidade, confiança, justiça, esperança... Isto significa que Ele ampliou a semântica do termo. Ser pai vai muito além de fatores biológicos. Abrange uma engenhosa construção sobrenatural, densa de significado e plenitude divina. A paternidade constitui-se em substrato afetivo e espiritual, indispensável para se viver com qualidade, não apenas a própria existência, mas também a trajetória de uma sociedade equânime e solidária. Na caminhada humana, nossos genitores são réstias do Divino, acenos do Infinito e janelas do Eterno. Cristo não dispensou o carinho e a proteção de uma figura paterna humana.

Quem não recorda com ternura os que nos transmitiram o dom da vida, dádiva inefável de Deus? Como esquecer aqueles que nos acolheram, quando pequenos ou grandes, com sorrisos e braços abertos? Como não lembrar das histórias que nos contavam, para nos fazer adormecer? É inolvidável sua dedicação, quando após um dia estafante de trabalho, ainda encontravam tempo para brincar conosco. Inesquecível a nossa infância, quando guiavam nossos primeiros passos, sonhando com o futuro. Incalculável o número dos que renunciaram a seus sonhos e projetos para cuidar da formação dos filhos, aperfeiçoando seu caráter, ensinando-lhes a ser verdadeiros, dignos, íntegros e responsáveis. Ao pensar neles, nossos corações transbordam de amor, gratidão e saudade.

Um feliz dia para todos os que transmitiram o dom da vida, amam, educam, protegem e sabem dizer não, quando necessário. Aconselham, mostram a dimensão, o sentido e o valor do ser humano. A eles, nosso perene agradecimento e preces! Cabe rogar a Cristo (que não dispensou a proteção de São José) as bençãos para todos que têm a missão de imitar o gesto divino de gerar. Deus derrame sem cessar graças abundantes sobre seus filhos dedicados, que buscam um mundo mais humano e fraterno. Nossos pais são afagos celestiais, calor e aconchego espiritual para que possamos sentir a presença de Deus bem perto de nós. Parabéns e orações para nossos pais terrenos, que peregrinaram nas estradas da existência e continuarão vivos em cada um de nós. Que o Pai Eterno e Infinito ilumine cotidianamente os que nos geraram e buscam um mundo com menos diferenças e privilégios, no qual os direitos sejam iguais. Não esqueçamos o conselho bíblico: “Aceita, filho, a disciplina do teu pai e não desprezes a instrução de tua mãe; elas serão um formoso diadema na tua cabeça e colares no teu pescoço” (Pr 1, 8).

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

 

Homem de terno e gravata

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ENCANTOU-SE UM GRANDE AMIGO

ODÚLIO BOTELHO MEDEIROS

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes

                Éramos três amigos que brincavam sobre quem partiria primeiro: eu, José Correia de Azevedo e Odúlio Botelho Medeiros. O primeiro, apressadinho encantou-se em 23 de janeiro de 2018; hoje partiu Odúlio e eu fiquei na dor do perdimento, pois foram colegas desde os anos 50. Éramos da mesma idade, diferença de poucos meses.

                Com Odúlio convivi o tempo do rádio, na condição de garotos cantores e posteriormente na labuta constante da defesa das prerrogativas dos Advogados – ele foi meu vice e sucedeu-me na Presidência, numa jornada difícil, que contei em duas edições do meu livro Traços e Perfis da OAB/RN.

                Nos últimos tempos nos reencontramos nas lides do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e na Academia de Letras Jurídicas do Rio Grande do Norte, de onde ele foi Presidente, substituindo Jurandyr Navarro da Costa.

                Fazia parte das minhas orações diárias rogando pela sua saúde e agora passará para outra categoria – dos espíritos de luz.

                Sua partida me faz invocar os auspícios da bela poesia de Diogenes da Cunha Lima:

Ser bom amigo é tornar limpa a alma em flor

É bem melhor que ser parente, é ter amor,

Pois ser amigo é ter a alma sempre aberta

Para dois braços que, do abraço, faz a oferta.

.........

É mais feliz quem pode, a alguém, chamar “amigo”.

                Agora a nossa amizade continua no campo espiritual, junto aos seus filhos, fiéis avalistas da nossa amizade, para louvarmos a grande história de quem partiu e deixou incomensurável Saudade.

 

terça-feira, 29 de julho de 2025

 

UM NOVO PARQUE DA CIDADE

Por: Carlos Roberto de Miranda Gomes

                Em minhas intercomunicações usuais, recebi do meu irmão caçula José Gomes Filho (já octogenário), uma notícia publicada num veículo informativo da Prefeitura Municipal de Natal a respeito da assinatura de um compromisso com o Exército Nacional, nos termos seguintes:

Prefeitura e Exército assinam termo de concessão para Parque Linear de Natal

A Prefeitura do Natal e Exército Brasileiro assinaram o termo de concessão que autoriza a utilização da área às margens da avenida Engenheiro Roberto Freire para a proposta do Parque Linear de Natal. A solenidade ocorreu na tarde desta sexta-feira (25), no Palácio Felipe Camarão. O novo espaço urbano conta com uma área de 10 hectares em terreno cedido oficialmente pelo Exército Brasileiro ao município.

O prefeito Paulinho Freire destacou a importância do novo parque urbano para a capital potiguar. “É uma grande conquista para Natal. Neste espaço, vamos aliar a preservação ambiental e oferecer um ambiente de lazer e entretenimento para as famílias da nossa cidade. Agradeço imensamente ao Exército Brasileiro pela cessão do terreno e ao senador Styvenson Valentim pelo apoio integral ao projeto”, afirmou.

O evento também contou com a presença da vice-prefeita Joanna Guerra, de secretários municipais, do senador Styvenson Valentim e de representantes do Exército Brasileiro.

O general de Brigada Alessandro da Silva ressaltou o papel da instituição na cessão do espaço: “Estamos destinando o terreno para a construção de um equipamento público voltado à sociedade. Hoje, formalizamos essa ação com a certeza de que a Prefeitura desenvolverá um excelente trabalho. Acreditamos que o parque impulsionará a qualidade de vida e o turismo da região”, explicou o general.

O projeto do Parque Linear de Natal será discutido com a sociedade e Conselho Gestor do Parque das Dunas. A proposta é que a estrutura inclua espaços para educação ambiental, práticas esportivas, atividades de lazer e jardim sensorial.

                O assunto é um ressurgimento de ideia anterior, desenvolvida pelo meu irmão mais velho (já na dimensão superior da existência) – Arquiteto Moacyr Gomes da Costa, com o mesmo objetivo, conforme detalhamento que divulguei através de um dos meus livros “O menino do Poema de Concreto”, edição do Sebo Vermelho, Natal 2014, Capítulo 13 (Um sonho sonhado em que terminei sozinho), fls.163 a 172, ocupando uma área de 151 hectares, ou seja, um Parque da Cidade, uma miniatura do Ibirapuera, de São Paulo ou Alto da Boa Vista no Rio de Janeiro, ocupando a principal via turística de Natal, próximo da praia de Ponta Negra e Via Costeira, ouvida a população.

                Com as planilhas que Moacyr preparou, dava para avaliar a grandeza e importância do empreendimento, que dele resultaria a diminuição do congestionamento do trânsito da Av. Roberto Freire, acompanhando a fralda da duna até o anel viário do Campus Universitário e muitos outros detalhes de magna importância, até mesmo a projeção de uma ponte sobre o Rio Potengi direcionada para o Conjunto Potengi, próximo ao Panatís.

                Aquele sonho durou 4 anos de discussões, com sucessivas modificações. Contudo, pela intervenção de outros interesses, em uma exposição detalhada para a comissão de militares do Departamento de Patrimônio e autoridades civis, Moacyr se viu obrigado a pedir desculpas ao grupo de oficiais, porque o projeto já havia sido torpedeado pela incorrigível “politicagem” endêmica deste pobre Rio Grande do Norte.

                Será que agora aquele projeto sairá do papel. Se sair, alguém terá a consideração de mencionar o trabalho do Doutor Moacyr ou quem sabe, colocar o seu nome em alguma de suas veredas?

quarta-feira, 23 de julho de 2025

 


A Senhora Sant’Ana

Padre João Medeiros Filho

Segundo uma tradição do século II, os pais de Nossa Senhora eram Ana e Joaquim. Na Sagrada Escritura, inexistem dados sobre o casal. O documento mais antigo a que se reporta a Igreja é o “Protoevangelho de Tiago” (datando aproximadamente de 150 d.C.), o qual goza de prestígio nos primórdios do cristianismo. Apesar de ser um texto apócrifo, trata-se de importante obra da antiguidade cristã, citada por teólogos do Oriente, notadamente Epifânio de Salamina e Gregório de Nissa. O nome Hannah provém do hebraico e significa graça. A genitora da Virgem Santíssima descende de Aarão. Consoante a tradição cristã, era esposa de Joaquim, pertencente à estirpe real de Davi. Portanto, dessa nobreza participam Maria e Jesus. A devoção a Sant’Ana remonta ao século VI, no Oriente, enquanto. São Joaquim passa a ser venerado, por volta dos anos 900. A tradição diz que o casal possuía recursos, geridos pela esposa. Ela dividia em três partes iguais os rendimentos do marido: uma destinada ao sustento da família; a segunda, à manutenção do culto e a última, à ajuda aos carentes. Esse dado, sem comprovação histórica, fez de Sant’Ana, na época do Brasil colonial (graças também à devoção de Dom João VI), padroeira da Casa da Moeda.

A palavra Joaquim significa confirmado por Javé. O nome Ana é mais frequente na Bíblia. Tem-se conhecimento de três mulheres assim denominadas. A primeira, trata-se da profetisa, filha de Fanuel (Lc 2, 36-38) que estava presente no Templo, quando da apresentação do Jesus. A segunda, a mãe do profeta Samuel (1 Sm 2, 19-21) e a última, a esposa de Ragoel, irmão de Tobias (Tb 7, 2). De acordo com o “Protoevangelho”, Ana e Joaquim formavam um casal piedoso, mas vivia triste por não ter filhos. O marido dirigiu-se ao deserto para jejuar e orar. Lá, apareceu-lhe um anjo, anunciando que ele seria pai de uma menina. Sua mulher também recebeu um aviso divino: “Teu choro foi ouvido e conceberás e darás à luz. Tua descendência será ilustre.”

Na Igreja Luterana, Ana é também venerada. Conta-se que Lutero ingressou na vida religiosa, após pedir a proteção da Mãe de Maria, numa noite de tempestade. Por esse motivo, em alguns países europeus, é invocada como protetora contra os raios e trovões. A Avó de Jesus é igualmente reverenciada no islamismo. Seu nome não consta no Alcorão. Entretanto, é reconhecida como uma mulher altamente espiritual, tendo gerado Maria. Conforme algumas narrativas islâmicas, ela não tinha filhos, até a idade avançada. Suplicou ao Altíssimo e deu à luz uma menina a quem atribuiu o nome de Miriam.

Fé, amor e temor de Deus são marcantes na vida do santo casal. A iconografia clássica mostra-nos a genitora de Nossa Senhora, segurando as tábuas da Lei e ensinando à Filha. Em muitas imagens, ela está sentada com Maria de joelhos, junto a Torá (Lei).  O seu culto expandiu-se pelo mundo inteiro. Santuários, catedrais, capelas, cidades e províncias lhe são dedicados. Destaca-se como padroeira da Bretanha, de Quebec e Düren (Alemanha). É titular de dezessete catedrais brasileiras, padroeira secundária das arquidioceses de São Paulo e Rio de Janeiro. É igualmente a patrona do estado de Goiás. No Rio Grande do Norte, é protetora da diocese de Caicó e orago de nove paróquias. A devoção a Sant´Ana difundiu-se de tal modo que os católicos lhe reservam o aposto de “Senhora”, outorgado apenas à Virgem Santíssima. Muitos cristãos passaram a chamá-la de “Nossa Senhora Sant’Ana”, como acontece no Seridó e alhures. “Bendito seja Deus nos seus anjos e nos seus santos.”

A presença de Sant´Ana tem marcado a minha vida. Nasci numa paróquia (Jucurutu/RN) que se originou do desmembramento de terras das freguesias de Caicó, Campo Grande e Santana do Matos, cujos oragos são a Mãe da Virgem Maria. Durante quarenta e cinco anos, pertenci canonicamente ao bispado caicoense, dedicado à excelsa esposa de São Joaquim. Morei mais de duas décadas no Rio de Janeiro, onde a padroeira secundária é a Avó de Cristo. Há quinze anos celebro no Mosteiro de Sant´Ana (Emaús/Parnamirim/RN), onde atuo como assistente eclesiástico da comunidade. “Dai graças ao Senhor porque Ele é bom. Sua misericórdia é eterna” (Sl 118/117, 1).

segunda-feira, 21 de julho de 2025

 

THEREZINHA ROSSO GOMES,

Filha dos imigrantes italianos – Rocco Rosso e Rosina Lovisi, naturais de Casaletto Spartano, Província de Salerno, que vieram para o Brasil, respectivamente em 1926 e 1935, trazendo a filha Rachele Rosso e aqui nascendo em 21 de julho de 1936 a inesquecível THEREZINHA, que hoje completaria 89 anos, não fosse o chamamento do Criador em 31 de março de 2019.

A minha homenageada foi alfabetizada por Dona Dinorah Bandeira, sua vizinha da Rua Meira e Sá, passando para os cursos regulares do Instituto Batista de Natal, Colégio Nossa Senhora das Neves e Escola Profissional Feminina.

Quando cheguei em Natal, pelos idos de 1948, fui morar na mesma rua, sendo vizinhos da Rua Meira e Sá – ela no 118 e eu no 120. Daí em diante fizemos amizade, que se transformou em coleguismo, namoro, noivado e casamento em 1963 até o final de sua existência, tendo assim a duração de 71 anos de convivência, sendo 54 anos de casados renovados em leito do Hospital da UNIMED pelo Padre Francisco Motta, da Matriz de São Pedro Apóstolo, Igreja que nos abrigou desde tenra idade, ao tempo do Padre Martinho Stenzel.

Licenciada para lecionar, não teve essa oportunidade, haja vista o nosso casamento em 16 de março de 1963 e a vinda dos filhos Rosa em 1964; Thereza Raquel 1967; Carlos Roberto 1969 e Rocco José em 1971. Daí em diante agigantou-se a mulher e mãe, suprindo todas as lacunas no lar e cuidando dos filhos com extraordinário cuidado, em todos os sentidos – educação familiar, saúde, religião e estudos, tanto que todos eles chegaram aos cursos superiores, ao mesmo tempo em que deu suporte para as minhas conquistas profissionais e culturais.

Companheira perfeita para administrar o grupo familiar, deu sucessivas provas de desvelo, suprimento e conciliação da vasta família Miranda Gomes e Gomes da Costa, ganhando a amizade e confiança de todo o grupo familiar, que a tratava com transcendental carinho.

A sua Páscoa definitiva pareceu o fim do meu caminhar nesta dimensão da existência. Contudo, após longo período de mergulho no isolamento e solidão, foram os seus exemplos e ensinamentos que trouxeram a luz necessária para a continuidade da família e assim, mantendo o culto à sua memória, continuamos a labuta diuturna sempre a colocando em nossas vitórias e dificuldades, sem diminuir a intensidade, como viva estivesse fisicamente.

Hoje, mais uma vez, estaremos na nossa Igreja do Alecrim orando por ela e nos confraternizando pela dádiva de termos merecido a presença de tão formidável criatura, cujos exemplos de vida e ações continuam vivos em nossos espíritos ad aeternum.

QUERIDA THEREZINHA, DONA THEREZA, TECA, PARABÉNS PELO SEU ANIVERSÁRIO E EXEMPLAR EXISTÊNCIA.

quinta-feira, 17 de julho de 2025

 

“Como tudo está diferente”

Padre João Medeiros Filho

O título acima provém de uma frase do poeta latino Virgílio (“Quantum mutatus ab illo”) e poderá resumir o conteúdo deste artigo. Educava-se de acordo com princípios éticos considerados permanentes. Pais, avós, tios eram dignos de respeito e consideração. Quanto mais próximos e experientes, tanto mais merecedores de apreço e afeto. Era impensável responder de forma deseducada aos idosos, mestres e autoridades. Tinha-se plena confiança nos familiares dos colegas da vizinhança. O medo era apenas dos lobisomens e personagens das histórias de Trancoso, não das pessoas. Hoje, paira a tristeza por tudo que se perdeu. Teme-se pelo que poderá acontecer amanhã com as próximas gerações. Para os que estão à margem das leis, os direitos humanos vigoram. Para os cidadãos honestos, apenas deveres e limitações. Tende a ser esta a nova configuração da sociedade. Do mesmo modo, não levar vantagem em tudo significa ser idiota. Pagar as dívidas em dia é ser otário. Aplaudir corruptos e sonegadores vem se tornando normal e rotineiro.

Algumas situações causam indignação e náusea: docentes maltratados em salas de aula, comerciantes ameaçados por marginais, a insegurança generalizada, a banalização do homicídio, a narco-sociedade etc. Hoje, cultivam-se valores diferentes daqueles que eram transmitidos. Bens materiais valem mais que a retidão de caráter. Jovens exigem um automóvel novo para passar de ano. Celulares de última geração são prometidos a estudantes do ensino fundamental. Atualmente, o status predomina e o saber não importa. Uma tela gigante de smart TV desperta mais interesse do que uma conversa descontraída em família. É mais importante parecer do que ser.

Quando foi que tudo isto desapareceu ou se tornou obsoleto? Como seria bom poder retirar as grades das janelas para colocar jarros de flores, deitar numa rede avarandada no alpendre e dormir sossegadamente nas noites de verão! Aparelhos eletrônicos, passeios internacionais, roupas de grifes, bebidas finas são meras superficialidades, ilusões efêmeras que se diluem diante da honestidade. Onde se poderá respirar um clima de solidariedade, retidão de caráter, justiça e verdade? Alegrias e gestos de sinceridade tornam-se um sonho de consumo, cada vez mais distante. Espera-se o tempo de conseguir proclamar em alto e bom som: abaixo o ter, viva o ser! Poder um dia dizer alvíssaras ao retorno da verdadeira vida, fértil e simples como a chuva; bela e semelhante a um céu de primavera; suave, recordando a brisa da manhã e radiante como o nascer do sol.

Que não seja utopia almejar a volta de um mundo tranquilo, no qual haja dignidade e justiça, harmonia e amor, como princípios de vida. Deste modo exorta o apóstolo Paulo: “Detestai o Mal, apegai-vos ao Bem. Não sejais lentos na solicitude, mostrai-vos solidários” (Rm 12, 10-12). Quem sabe o começo de um novo tempo seja a vivência dessa mensagem cristã. Crianças e jovens de hoje haverão de agradecer amanhã. Afirma o salmista: “A misericórdia e a fidelidade se encontram, a paz e a equidade se beijam” (Sl 85/84, 11).

Atualmente, fala-se demais em esquerda e direita, mas se esquece da falácia que isso implica. Deixa-se de ver com realismo e lucidez o caminho a seguir, agarrando-se à polarização que embrutece e empobrece. Além das posições políticas e ideológicas, instala-se atualmente nos indivíduos uma espécie de paralisia mental. Há o temor do que poderá vir em meio a uma infinita tempestade de informações despejadas sobre a população (em sua maioria, narrativas) pela revolução digital. Essa convivência ambígua traz angústia às pessoas. A tendência é de conformismo defensivo, recusa à escolha realista e sensata. “Confiança, eu venci o mundo”, dissera Cristo (Jo 16,33). O homem deixou de acreditar em sua força, priorizando a tecnologia. Charles Chaplin declarou: “Sois homens e não máquinas!” O ser humano está renunciando a si mesmo para entronizar a máquina. É o que se infere da empolgação com a inteligência artificial, sem procurar aprofundar a inteligência natural, graça inefável de Deus. “O que adianta a alguém ganhar o mundo inteiro, se vier a arruinar a sua vida” (Mc 8, 36), advertia Jesus Cristo.

quarta-feira, 16 de julho de 2025

 RELEMBRANDO FRANCISCO FALCÃO FREIRE


Valério Mesquita*

Francisco Falcão Freire, mossoroense, calmo, hábil e de largas amizades pelo seu temperamento dócil. Seu Falcão, como era conhecido, foi casado com D. Albertina Cabral Falcão. Ele chegou a Macaíba como funcionário do fisco estadual. Eram os anos 40/50 e fez grande amizade com Alfredo Mesquita Filho, pontilhando caminhos políticos, ora convergentes, ora divergentes, sem nunca perder a afeição e o respeito mútuo. Foi coletor estadual em Macaíba por vários anos, tendo pontificado a sua atuação no governo de Dinarte Mariz. Falcão era um homem cordial tendo participado em Macaíba da vida social da cidade através do Pax Club além dos eventos esportivos. O seu traço característico foi o de conciliador, principalmente, nos embates políticos travados entre Alfredo Mesquita (PSD) e o seu genro e sobrinho Leonel Mesquita (UDN) em 1958 para Prefeito de Macaíba. Inclusive, foi um dos articuladores da reaproximação dos dois parentes no inicio dos anos sessenta, pacificando a política de Macaíba.
Aposentado, foi morar em Natal com a sua numerosa família que nunca deixou de reconhecer nele, a figura do pater-familia, líder e patriarca. Na política, não exerceu cargo eletivo, muito embora, tenha sido lembrado e sugerido para ser Prefeito de Macaíba em diversas ocasiões. A sua fleugma era de diplomata, “conselheiro da república de Macaíba”, sempre ouvido nos momentos de decisão e crise. Há muito mais a dizer sobre a sua personalidade e perfil funcional, cultural, social e político que não cabe no espaço de uma crônica de resgate de sua memória.
Mas, para concluir, não poderia olvidar uma história narrada por seu colega de fisco Jaime Alves de Oliveira que exibe, também, o seu lado espirituoso, inteligente e pragmático no trato das questões funcionais.
Terminadas as eleições de 1960, com a vitória de Aluízio Alves, Falcão foi exonerado da Coletoria, assumindo o novo coletor, Sr. José Humberto da Câmara. Iniciou-se um processo de “caça as bruxas” e Falcão foi intimado por uma comissão de inquérito sob supostas irregularidades, que teriam sido cometidas na sua gestão.
Iniciado o interrogatório, o presidente indagou: “Senhor Falcão, é verdade que o senhor recebia vales da firma Nóbrega e Dantas?”. É bom ressaltar que firmas algodoeiras, com poucas exceções, faziam despacho com vales para posteriores ressarcimentos em face das dificuldades atravessadas pelo comércio à época. Nóbrega e Dantas, pelos seus diretores, apoiavam Aluízio Alves. Falcão experiente e esperto levantou-se da cadeira, e, dedo em riste, dirigiu-se ao seu substituto: “Zé Humberto, você tem aí vales de Nóbrega e Dantas?”. O coletor do novo governo foi lá e veio cá, e, sem saída, esclareceu: “Eu tenho aqui uns vales”. Ao que Falcão, voltando-se ao Presidente da Comissão, afirmou: “Sr. Presidente está respondida a pergunta”. Nada mais foi dito nem perguntado. Quem da Comissão de Inquérito iria colidir com a poderosa empresa Nóbrega e Dantas, aliada política incondicional do Governo da Esperança. Francisco Falcão Freire nasceu em 1º de novembro de 1900 e faleceu em Natal no dia 23 de setembro de 1985.

(*) Escritor.

domingo, 13 de julho de 2025

 

A ENCÍCLICA Rerum Novarum E O DIREITO DO TRABALHO

ADILSON GURGEL, advogado

 

INTRODUÇÃO

Muito se fala sobre as conquistas do trabalhador.

Muito se fala sobre as conquistas do Direito do Trabalho e dos Direitos Sociais.

Pouco se fala que essas conquistas e esses ramos do Direito são muito recentes e quase nada se fala do seu nascedouro.

Pouco se fala da importância de uma certa encíclica do Papa LEÃO XIII, promulgada no final do Século XIX. Mas ela tem tudo a ver com o Direito do Trabalho. Muito mais do que diversos doutrinadores jus laboristas.

Por isto, vamos mostrar aqui que existe um grande relação entre a encíclica Rerum Novarum – RN e o nascedouro das legislações que impulsionaram a criação deste novo ramo do Direito.

Mas, vamos começar com um fato real, vivenciado pelo autor: certa feita, uma amiga solicitou a leitura de sua dissertação de mestrado. Ao verificar que dizia respeito ao Direito do Trabalho, ponderou-se que este autor lida um pouco mais sobre tributos e o Direito Tributário. Mas, ela insistiu: queria a visão de um acadêmico “fora da bolha”.

 Pela leitura, verificou-se que as pugnadas conquistas do trabalhador ali defendidas deixavam a desejar. Indagou-se se ela já havia lido a encíclica Rerum Novarum, de 1891 – a qual, procurou-se mostrar, possuía princípios muito mais avançados do que as teses doutrinárias expostas na dissertação.

Como ela não havia lido – inclusive e por óbvio, não constava da sua biografia – entregou-se um exemplar do documento. Após a leitura, ela disse que havia mudado quase que radicalmente a sua dissertação, tão impactada que ficou com a leitura da encíclica.

 

A SITUAÇÃO DOS OPERÁRIOS NO SÉCULO XIX

Total desrespeito à dignidade do ser humano

Inicialmente, vamos dar uma panorâmica de como estava a questão social, que motivou a promulgação da encíclica leonina.

Com efeito. É por demais sabida a situação de penúria dos operários e de desrespeito à dignidade do ser humano, que prevalecia no Século XIX, em especial após a Revolução Industrial e o nascimento do Capitalismo, com o consequente acúmulo de riquezas: poucos com muito para viver e muitos com muito pouco para sobreviver.

O historiador H. G. WELLS, na sua História Universal, descreve bem o que ocorria:

À medida que a revolução Industrial progrediu, um grande fosso se foi cavando entre empregador e empregado. (1968:vol. 3º, p. 103),

Para se ter uma ideia do quanto o ser humano era espezinhado, ressalte-se que somente em 1819, na Inglaterra, foi promulgada a primeira Lei das Fábricas (Factory Act), tentando diminuir a bestialidade dos empregadores contra seus empregados.

Parece incrível que fosse jamais necessário proteger criancinhas de nove anos (!) contra o trabalho em fábricas, ou limitar o dia nominal de trabalho desses empregados a doze horas!

A lei industrial inglesa, de 1819, fraca e débil como nos parece hoje, foi a Carta Magna da infância; começou daí a proteção das crianças dos pobres, primeiro contra o trabalho excessivo e depois contra a fome e a ignorância. (WELLS, 1968:vol. 3, p. 284-285).

Tentativas foram feitas para conter essas ganâncias desumanas, baseadas nas ideias socialistas advindas dos ensinamentos de BUDA, de LAO TSE e, mais claramente, de JESUS CRISTO. E, como se mostrou na introdução deste trabalho, tivemos as ideias materialistas de MARX, de ENGELS e, posteriormente, de LENIN.

No entanto, a situação só tendia a piorar a cada dia.

Tendo presente essa visão, o Santo Padre LEÃO XIII, resolveu enfrentar a questão social e fez promulgar sua carta encíclica RERUN NOVARUM (RN), em 15 de maio de 1891. Pode-se dizer: trata-se de um documento revolucionário, pois a Igreja se preocupava mais com sua missão de divulgar o Evangelho. E eis que surge uma forte instituição em prol da dignidade do ser humano, em especial da classe operária. Daí sua encíclica chamar a se vivenciar Coisas Novas, com o subtítulo de “Sobre a condição dos operários”.

 

A DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA – DSI

Que o ser humano seja construtor responsável pela sociedade terrena

Antes de adentrarmos especificamente na Rerum Novarum e, depois, sua influência sobre o Direito do Trabalho, é interessante mostrar o que vem a ser a DSI – Doutrina Social da Igreja.

Inicialmente: como podemos definir o que vem a ser a DSI?

Fomos buscar um conceito que foi dado pelo Papa SÃO JOÃO PAULO II, na sua encíclica Solicitudo Rei Socialis – SRS (Solicitude Social), quando mostra que, a partir do valiosíssimo subsídio de LEÃO XIII e enriquecido por sucessivos documentos magisteriais, temos que a DSI se constituiu já:

Um corpo doutrinal atualizado, que se articula à medida que a Igreja, dispondo da plenitude da Palavra de Deus revelada por Jesus Cristo e com a assistência do Espírito Santo (cf. Jo 14, 16-26 e 16, 13-15) vai lendo os acontecimentos, enquanto eles se desenrolam no decurso da História.

Deste modo, ela procura guiar os homens para corresponderem, com o auxílio também da reflexão racional e das ciências humanas, à sua vocação de construtores responsáveis pela sociedade terrena. (SRS 1)

Ao que pedimos vênia para acrescentar: e colocando sua opinião em prol da dignidade de todos os seres humanos.

Assim é que, no mundo jurídico, muito se elogia o surgimento e o desenvolvimento do Direito do Trabalho, como instrumento de proteção e garantia dos direitos dos próprios trabalhadores. Muito se elogia pensamentos e doutrinas trazidos por pensadores do Direito, da Sociologia Jurídica, da Antropologia Jurídica, das demais Ciências Sociais e até de quem nunca fez coisa alguma por esse importante ramo do Direito.

Entretanto, parece que se desconhece um dos nascedouros desse importante e relevante ramo do Direito e de tantas outras conquistas sociais, o que veio com o advento da Doutrina Social da Igreja. Nascimento esse que se deu com a promulgação da encíclica Rerum Novarum (RN), do Papa LEÃO XIII, publicada no dia 15 de maio de 1891. Portanto, no final do Século XIX.

Lembrando que as encíclicas são cartas escritas e promulgadas pelo Papa, sendo destinadas não só aos fiéis católicos, mas também a todas as “pessoas de boa vontade”. Normalmente elas abordam problemas sociais do mundo contemporâneo e também questões de fé e de moral. Como um bom exemplo desta última abordagem, temos a encíclica Fides et RatioFR (1998), do Papa SÃO JOÃO PAULO II. Ele, com amparo principalmente nos ensinamentos do jesuíta Padre PIERRE TEILHARD DE CHARDIN (no seu livro O Fenômeno Humano) e na sabedoria teológica do então Cardeal JOSEPH RATZINGER (depois Papa BENTO XVI) abordou o delicado tema da conexão ou da ligação entre Fé e Razão.

É válido lembrar também que, como ÉMILE DURKHEIM (sociólogo, antropólogo, cientista político, psicólogo social e filósofo, além de profundo estudioso das questões sociais e considerado o pai da Sociologia) – talvez em virtude de ter lido o documento leonino (e isto é uma mera conjectura deste autor), observando que havia uma lacuna na sua tese de doutorado, redigiu um prefácio à 2ª edição do seu livro De la Division du Travail Social (1893). Prefácio esse (intitulado por DURKHEIM de Algunas indicaciones sobre los grupos professionales) que quase se tornou mais importante do que o livro em si. Na realidade, o fato é que essa lacuna, na sua tese, era não ter mencionado a importância das associações profissionais. Com isso, DURKHEIM escreveu esse prefácio ressaltando a importância dos sindicatos, imaginando-os, inclusive, como elo de ligação entre o povo e o governo.

Como tanto o livro (que é de 1893) e o prefácio à 2ª edição (intitulado “Algumas indicações sobre os grupos profissionais”, cerca de 1900), é presumível que isto ele provavelmente hauriu do item 33, da RN, onde literalmente o Papa LEÃO XIII, ao defender a criação de associações de operários (hoje, sindicatos de trabalhadores), afirma que:

Os poderes públicos não podem, pois, legitimamente, arrogar-se nenhum direito sobre elas, atribuir-se a sua administração; a sua obrigação é antes respeitá-las, protegê-las e, em caso de necessidade, defendê-las.

Observe-se e compare-se com o que diz DURKHEIM, no referido prefácio sobre a regulamentação dos sindicatos pelo Estado (aqui transcrito da edição em espanhol, mas lembrando que já existe edição em português):

Pero esta acción, si es necessaria, no debe degenerar em uma subordinación estrecha, como ocurió em los siglos XVII e XVIII. Los dos órganos em relación deben permanecer distintos: cada um de ellos tiene sus funciones que sólo él puede cumprir. (1967:25)

Em reforço a esse posicionamento, o Papa PIO XI, em 1931, ao comemorar os 40 anos da RN, agora na sua encíclica QUADRAGESIMO ANNO (QO), mas citado pelo Papa SÃO JOÃO XXIII, no item 21, da encíclica MATER ET MAGISTRA (MM), de 1961, estabelece que:

Aos trabalhadores, afirma ainda a Encíclica (RN), reconhece-se o direito natural de constituírem associações ... e ainda o direito de agirem, no interior delas, de modo autônomo e por própria iniciativa, para assegurarem a obtenção dos seus legítimos interesses.

A contribuição da RN para a criação de sindicatos livres e independentes é uma pequena amostra do como a DSI ajudou a construir os direitos sociais dos trabalhadores em todo mundo democrático.

Antes de continuar, enumera-se os princípios basilares, que fomentam até hoje a DSI, mostrando como toda ela objetiva a proteção dos operários e a dignidade do ser humano.

Este resumo foi em parte inspirado no que fez o Papa SÃO JOÃO XXIII, na sua encíclica Mater et Magistra (MM). Esses princípios dizem respeito:

1)      Ao trabalho que não pode ser considerado como mercadoria, mas um modo de expressão direta da pessoa humana. Como que para quase todos o trabalho é o único meio de subsistência, a sua remuneração não pode deixar-se à mercê do jogo automático das leis do mercado. Sim, ela deve ser estabelecida segundo as normas da justiça e da equidade.

 

2)      À propriedade privada, mesmo dos bens produtivos, é considerada como um direito natural que o Estado não pode suprimir. Mas, chama a atenção para o fato de que ela, intrinsecamente, comporta uma função social, sendo igualmente um direito, que se exerce em proveito próprio e para bem dos outros.

 

3)      Ao Estado, considerando que ele tem sua razão de ser na realização do bem comum na ordem temporal. Por isto, ele tem que intervir na ordem econômica, com o objetivo de promover a produção suficiente de bens materiais, cujo uso é necessário para o exercício da virtude. O Estado tem também a missão de proteger o direito de todos os cidadãos, em especial os mais fragilizados (MM, item 19).

 

4)      Ao Estado, instando a que vele pelas relações do trabalho para que elas sejam reguladas segundo a justiça e a equidade, com o indispensável respeito à dignidade da pessoa humana. Com isso e com outros tópicos, a encíclica leonina indicou linhas que inspiraram a legislação social dos Estados contemporâneos. Tais linhas foram de tanta importância, que o Papa PIO XI já chamava atenção, na sua encíclica Quadragesimo Annoque eficazmente contribuíram para o aparecimento e a evolução de um novo e nobilíssimo ramo do direito, o "direito do trabalho". (MM, item 20)

 

5)      Aos trabalhadores é reconhecido o direito natural de constituir e reunir-se em associações, para assegurarem a obtenção dos seus legítimos interesses econômico-profissionais. Torna-se imperativo demonstrar que aqui está a origem dos modernos sindicatos. (MM, item 21)

 

6)      Aos operários e empresários é imperativo que regulamentem as relações mútuas, inspirando-se no princípio da solidariedade humana e da fraternidade cristã. E desde lá a DSI afirma que tanto a concorrência de tipo liberal como a luta de classes no sentido marxista são contrárias à natureza e à concepção cristã da vida. (MM, item 22)

Passemos agora a novas considerações, especificamente sobre a RN, em reforço do que ora se argumenta. Obviamente sujeito à apreciação dos doutos.

 

A ENCÍCLICA RERUM NOVARUM – 1891

O início da DSI

Críticas à questão operária

A encíclica Rerum Novarum distingue-se das demais por ter dado a todo o gênero humano regras seguríssimas para a boa solução do espinhoso problema do consórcio humano, a chamada “questão social”, precisamente quando isso era mais oportuno e necessário. (Papa PIO XI, logo no início da sua encíclica Quadragesimo Anno, de 1931)  

A RN é tida como o documento que iniciou a DSI – Doutrina Social da Igreja.

PARÊNTESIS: o leitor que não possuir a Rerum Novarum, pode baixá-la direto do sítio do Vaticano, no endereço: https://www.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum.html

Como aqui veremos, ela ataca as injustiças e desigualdades provocadas pela Revolução Industrial, do Século XIX, criticando também as soluções teóricas apontadas pelo socialismo e pela luta de classes. A encíclica leonina defende firmemente os direitos dos trabalhadores, mostrando a dignidade do trabalho e da pessoa humana. Também defende o direito à propriedade privada, exaltando seu uso social. Por último, como demonstrado, semeou a ideia dos atuais sindicatos de trabalhadores, ao defender a formação de associações profissionais.

Não resta dúvidas de que esta encíclica é a mais popular e a mais debatida, por mais de um século, em especial por tratar da chamada “questão social”. Alguns chegam a afirmar que a Rerum Novarum foi para a ação social cristã, o que foi o manifesto dos Comunistas (1848) ou o Capital, de MARX, para a ação socialista. Mas, é o documento mais importante para as conquistas sociais do ser humano. Sem dúvida.

Corroborando um tal pensamento, na encíclica Mater et Magistra (1961), o Papa São JOÃO XXIII, assim se manifestou sobre a “imortal encíclica Rerum Novarum, que completava 70 anos”:

7. Poucas vezes a palavra de um papa teve ressonância tão universal, pela profundeza e vastidão da matéria tratada, bem como pelo vigor incisivo da expressão. A linha de rumo ali apontada e as advertências feitas revestiram-se de tanta importância, que não poderão jamais cair no esquecimento. Foi aberto um caminho novo para a Igreja. O Pastor supremo, fazendo próprios os sofrimentos, as queixas e as aspirações dos humildes e dos oprimidos, uma vez mais se ergueu como defensor dos seus direitos. (MM, item 7)

Se não, vejamos a grande influência social e humanitária advinda do que diz essa encíclica com mais de 130 anos de existência e de formação de muitas conquistas sociais, nela inspirados.

 

A ENCÍCLICA RERUM NOVARUM E O DIREITO DO TRABALHO

Um documento à frente do seu tempo

Pelas citações acima, verifica-se que o documento estava bem à frente do seu tempo! Ou que chegou na hora certa.

Verifica-se também que a encíclica leonina como que “chamou o feito à ordem”, exigindo um posicionamento do Estado frente ao descaso com que os operários eram tratados e humilhados. Depois dela passamos a ter o Estado efetivamente intervencionista na vida econômico-social da sociedade política.

Ao final, nas conclusões, faz-se um resumo dos pontos fortes ou os princípios aqui defendidos e que foram parar na legislação trabalhista e na legislação social.

Mas, ainda nesta introdução, transcreve-se, a respeito da encíclica leonina, o que escreveu BRUNNA RAFAELI LOFITE CASTRO (2010), depois de mostrar que a Rerum Novarum é um documento que deu início à terceira fase do Direito do Trabalho, chamada de “fase de consolidação”: 

Essa Encíclica destaca a necessidade de uma nova postura das classes dirigentes perante a chamada “Questão Social”, que trazia em seu texto as obrigações de patrões e empregados, fixando o salário-mínimo, a jornada máxima, enfatizando o respeito e a dignidade da classe trabalhadora, tanto espiritual quanto fisicamente. Por outro lado, o operário deveria cumprir fielmente o que havia contratado, nunca usar de violência nas suas reivindicações, ou usar de meios artificiosos para o alcance de seus objetivos. Neste momento, busca-se também uma intervenção estatal nas relações de trabalho.

Verifique-se que a autora chama a atenção para um ponto importante, que ressaltamos neste texto, é o fato de que o Papa LEÃO XIII, na sua Rerum Novarum, ter tido a coragem de determinar que deveria haver uma intervenção estatal nas relações de trabalho. E não ficar apenas olhando toda espoliação do trabalhador e todo desrespeito com a dignidade do ser humano por parte dos ricos e poderosos. Podemos então afirmar que tal determinação serviu também para provocar o nascimento do chamado Estado Intervencionista. Preferentemente democrático e de direito.

Com a anotação específica dos itens da RN que interessam ao presente estudo, vamos comentar os avanços sociais obtidos com a promulgação da mais que centenária encíclica:

 

ITEM 22 à OBRIGAÇÕES E LIMITES DA INTERVENÇÃO DO ESTADO

Provocou a mudança do Estado do Laissez Faire para o Estado Intervencionista

Sugeriu a criação da previdência social pública

Invoca a autoridade da lei, pois este item mostra que em todos os casos de excessos contra os mais fracos, bem como nos atentados contra a saúde, em virtude do trabalho em excesso, desproporcional à idade e sexo dos operários,

à é absolutamente necessário aplicar com certo limite a força e autoridade das leis.

Ao final, lembra: já que a classe rica faz da sua riqueza uma fortaleza e precisa menos de proteção pública, ressalta algo essencial para os menos afortunados, ao dispor que:

à  o Estado se faça pois, sob um particularíssimo título, a previdência dos trabalhadores, que em geral pertencem à classe pobre.

Estava aberto, assim, o caminho para as ideias e ideais sociais de uma maior proteção ao trabalhador, em especial na aposentadoria e na velhice, com os benefícios da previdência social pública.

Este item da RN, foi posteriormente reforçado, 70 anos depois, pela encíclica Mater et Magistra (de 1961). O Papa SÃO JOÃO XXIII nela afirma que compete ainda ao Estado velar para que as relações de trabalho sejam reguladas segundo a justiça e a equidade, e para que nos ambientes de trabalho não seja lesada, nem no corpo nem na alma, a dignidade de pessoa humana.

Ele também relembra que, a este propósito, a encíclica leonina aponta as linhas que vieram a inspirar a legislação social dos estados contemporâneos: linhas, como já observava o Papa PIO XI na encíclica Quadragesimo Anno, que eficazmente contribuíram para o aparecimento e a evolução de um novo e nobilíssimo ramo do direito, o "direito do trabalho".

 

ITEM 23 à O ESTADO DEVE PROTEGER A PROPRIEDADE PARTICULAR

Para que se faça o bom uso da mesma e para garanti-la ao operário

Tal como já havia chamado a atenção no item 5, a encíclica RN volta a ressaltar que é dever principalíssimo dos governos assegurar a propriedade particular por meio de leis sábias. Com isso protege-se aquela parte dos operários que desejem melhorar de condição, mas utilizando-se de meios honestos, sem utilizar a violência e sem prejudicar a ninguém.

A crítica é feita aos que pretendem invadir direitos alheios sob pretexto de não sei que igualdade.

A encíclica dá um especial ênfase a essa proteção da propriedade particular não como abençoando os muito ricos que fazem mal uso de suas posses, mas lembrando de forma especial do pobre operário que trabalha e sonha com uma “vida melhor” para ele e para os seus. Como dito: utilizando-se de meios honestos, sem utilizar a violência e sem prejudicar a ninguém.

 

ITEM 24 à IMPEÇA AS GREVES

O Estado deve fazê-lo ao prover os meios de solução pacífica dos conflitos

A crítica que a encíclica faz a esta desordem grave e frequente, pode parecer estranho aos olhos de alguns. Mas fato é que que essa observação foi feita porque havia uma grande convulsão popular à época – Século XIX – em virtude de os operários serem muito explorados pelos donos do capital. E a greve era (como ainda é) uma forma de chamar a atenção para problemas graves e frequentes.

Pela leitura atenta deste item, verifica-se que a intenção leonina é buscar a forma correta de impedir as greves, tomando as medidas necessárias para elas sejam evitadas pela falta de motivos ou mesmo suprindo os motivos para elas serem realizadas. É o que se pode depreender do parágrafo final:

O remédio (...) é prevenir o mal com a autoridade das leis, e impedir a explosão, removendo a tempo as suas causas das quais se prevê que possam gerar os conflitos entre operários e patrões.

 

ITENS 25 E 26 à PROTEJA OS BENS DA ALMA

Defende o respeito à dignidade do ser humano

Inspira a criação do repouso semanal remunerado do trabalhador

De forma genérica, a encíclica demonstra o dever que cada um de nós devemos ter em respeitar igualmente a todos os seres humanos, quando afirma:

A ninguém é lícito violar impunemente a dignidade do homem, do qual Deus mesmo dispõe com grande reverência, nem lhe colocar impedimentos, para que ele atinja o aperfeiçoamento ordenado a conquistar a vida eterna (...) pois estes são deveres para com Deus que são absolutamente invioláveis.

No item 26, defende a necessidade do “repouso festivo”, não só para o corpo mas também para um repouso consagrado à religião.

A lição é bíblica e nos vem do início das Sagradas Escrituras, quando Iahweh prescreveu ao homem uma lei especial para esse repouso ao determinar: Lembra-te do dia do sábado para santificá-lo. (Ex 20, 8)

Por oportuno, nunca é demais lembrar que o livro do Êxodo, que contém esse sábio conselho de Iahweh (nome hebraico do Deus bíblico do antigo Reino de Israel), foi escrito entre os anos 1450 e 1410 a.C., sendo tradicionalmente atribuído a Moisés a sua autoria.

Quase desnecessário dizer que o Santo Padre LEÃO XIII deve ter se inspirado no conselho divino, com mais de 3.000 anos, para enfatizar esse descanso. Com suas colocações doutrinárias, impossível não se ver na Rerum Novarum a inspiração para o repouso semanal remunerado do trabalhador! Hoje, isto já faz parte de todas as legislações do Direito do Trabalho, no mundo inteiro.

 

ITEM 27 à PROTEÇÃO DO TRABALHO DOS OPERÁRIOS,

DAS MULHERES E DAS CRIANÇAS

Necessidade de se limitar a jornada de trabalho

Agora parte para a defesa de uma limitação quanto ao tempo de trabalho, não indo além do que as forças humanas o permitem.

Não é justo nem humano exigir dos operários – homens, mulheres e crianças – tanto trabalho a ponto de fazer, pelo excesso de fadiga, embrutecer o espírito e enfraquecer o corpo.

Naquela época chegava-se ao absurdo de se exigir do trabalhador o inverso do que se conquistou hoje, aplicando-se, então, um turno de 16 horas! Com apenas 8 horas para descanso. Daí o Papa LEÃO XIII defender que o número de horas de trabalho diário não pode exceder à força dos trabalhadores. Argumenta até para que haja diferentes turnos de trabalho para diferentes atividades, dando como exemplo aquele de extrair pedra, ferro, chumbo e outros materiais ocultos debaixo da terra, que deve ter uma duração menor.

Vai até um pouco mais adiante ao defender que se levem em consideração até as estações do ano, porque não poucas vezes um trabalho que facilmente se suportaria numa estação, é de fato insuportável em outra.

 

ITEM 29 à O QUANTITATIVO DO SALÁRIO DOS OPERÁRIOS

Ideia do salário-mínimo

A ideia defendida pela encíclica é de que o salário não deve ser insuficiente para assegurar a subsistência do operário sóbrio e honrado. A encíclica enfatiza que trabalhar é essencialmente o exercer uma atividade com o fim de suprir algumas necessidades do ser humano, principalmente a sustentação da própria vida. E vai buscar sua fundamentação lá no livro do Gênesis 3, 19, onde está a ordem: Comerás o teu pão com o suor do teu rosto.

Mas impõe-se o pagamento de um salário justo, que o patrão paga e não seria obrigado a mais nada. A não ser que negue o pagamento ou o operário queira receber pelo que não fez, a justiça é lesada e, neste caso, é que o Poder Público poderia intervir para fazer valer o direito; tanto de um quanto do outro.

Complementa mostrando e recomendando que o patrão e o operários podem fazer todas as negociações, mas não pode o primeiro constranger o trabalhador a aceitar tarefa maior do que sua capacidade, como acontece com o trabalho em condição análoga ao de escravo:

Façam, pois, o patrão e o operário todas as convenções que lhes aprouver, cheguem, inclusivamente, a acordar na cifra do salário: acima da sua livre vontade está uma lei de justiça natural, mais elevada e mais antiga, a saber, que o salário não deve ser insuficiente para assegurar a subsistência do operário sóbrio e honrado. Mas se, constrangido pela necessidade ou forçado pelo receio dum mal maior, aceita condições duras que por outro lado lhe não seria permitido recusar, porque lhe são impostas pelo patrão ou por quem faz oferta do trabalho, então é isto sofrer uma violência contra a qual a justiça protesta.

 

ITEM 32 E 33 à AS ASSOCIAÇÕES PARTICULARES E O ESTADO

Ideia da criação dos sindicatos

Justificando a necessidade que todo ser humano tem de uma cooperação de outros seus semelhantes, LEÃO XII foi buscar os ensinamentos da Sagrada Escritura:

Mais valem dois juntos que um só, pois tiram vantagem da sua associação. Se um cai o outro sustenta-o. Desgraçado do homem só, pois, quando cair não terá ninguém que o levante. (Eclesiastes 4, 9-12)

E mais esta outra: “O irmão que é ajudado pelo seu irmão, é como uma cidade forte. (Pr 18, 19)

Foi dessa propensão natural que nasceu, primeiro, a sociedade civil. Ao depois, surgiram outras sociedades que, por serem restritas e imperfeitas, mesmo assim, não deixam de ser sociedades verdadeiras.

Defende então a existência de leis que permitam associações que partem da natural sociabilidade do ser humano. Para tanto e no final ele invoca São TOMÁS DE AQUINO, na Summa Theologica, quando afirma:  

Uma lei não merece obediência, senão enquanto é conforme a reta razão e a lei eterna de Deus. (Sum. Teol., I-II, q. 93, a. 3 ad 2)

Finaliza esses tópicos ressaltando que as confrarias, as congregações, bem como as ordens religiosas de todo gênero nascidas da autoridade da Igreja, para fins honestos contra as quais os poderes públicos não podem arrogar-se de qualquer direito sobre elas. Tal colocação bem nos levam a concluir e constatar que o Papa LEÃO XIII já defendia o direito dos operários a se organizarem em associações (hoje sindicatos), sem que o Estado nelas pudessem interferir.

Foi deste item 33 que se fez a observação do início deste artigo sobre a defesa do Papa LEÃO XIII para a criação de associações/sindicatos de operários e que teria DURKHEIM a escrever o prefácio da 2ª edição da sua Divisão do Trabalho Social. Inclusive com a afirmação leonina de que o Estado ali não pode intervir:

Os poderes públicos não podem, pois, legitimamente, arrogar-se nenhum direito sobre elas, atribuir-se a sua administração; a sua obrigação é antes respeitá-las, protegê-las e, em caso de necessidade, defendê-las.

 

ITENS 34 A 36 à AS ASSOCIAÇÕES CATÓLICAS

A ideia da criação de uma previdência privada

Esta deve ter inspirado a criação da previdência social pública

Embora nestes itens o foco seja trabalhar um tema mais da religião, qual seja que os operários possam também se reunir em associações católicas, guiando-se pelo culto de Deus, inculcando-se neles o espírito de piedade, tornando-se principalmente fiel à observância dos domingos e dias de festa, verifica-se que a encíclica se preocupava com que, ali então, nas associações de operários, houvesse um fundo de reserva destinado a fazer face, não somente aos acidentes súbitos e fortuitos inseparáveis do trabalho industrial, mas ainda à doença, à velhice e os reveses da fortuna.

Pode-se então dizer que um tal pensamento possa ter inspirado, posteriormente, a criação do que hoje conhecemos como FGTS = fundo de garantia pelo tempo de serviço. Inspira também a criação da previdência social.

 

CONCLUSÕES:

Pelas citações acima, verifica-se que o documento estava bem à frente do seu tempo! Ou, mais precisamente, que a Rerum Novarum chegou na hora certa.

Verifica-se também que a encíclica leonina como que “chamou o feito à ordem”, exigindo a intervenção e um posicionamento do Estado frente ao absurdo descaso com que os operários eram tratados e humilhados.

Em consequência, depois dela passamos a ter o Estado efetivamente intervencionista na vida econômico-social da sociedade política. Passamos a ter também o nascedouro da legislação social, especialmente do Direito do Trabalho, como aqui demonstrado.

Verifica-se também que os pontos fortes ou os princípios aqui defendidos foram parar na legislação trabalhista e na legislação social, em todo o mundo. Seriam eles:

(1) a importância do trabalho para prover as necessidades da vida;

(2) o respeito à dignidade do trabalhador;

(3) a proibição do trabalho escravo ou equiparado ao de escravo;

(4) o pagamento do salário justo;

(5) o limite da jornada de trabalho;

(6) o salário ser suficiente para assegurar a subsistência do trabalhador;

(7) o direito do trabalhador se reunir em sindicatos;

(8) a previdência social do trabalhador, inclusive o hoje FGTS;

(9) sem descurar o papel das leis de amparo ao operário, segundo a lição tomista do que uma lei não merece obediência, senão enquanto é conforme a reta razão e a lei eterna de Deus.

A respeito da encíclica leonina, assim escreveu

Repete-se aqui o que, no início deste artigo, observou BRUNNA RAFAELI LOFITE CASTRO (2010), quando chama a atenção para um ponto muito importante, que ressaltamos neste texto: é o fato de que o Papa LEÃO XIII, numa época em que o Estado pouco ou nada se preocupava com o que estava acontecendo na questão operária, teve a coragem de, na sua Rerum Novarum, determinar que deveria haver uma intervenção estatal nas relações do trabalho. Deveria ele sair de sua posição cômoda, descruzar os braços e não ficar apenas olhando toda espoliação do trabalhador e todo desrespeito com a dignidade do ser humano por parte dos ricos e poderosos.

Podemos então afirmar que tal determinação serviu também para provocar o nascimento do chamado Estado Intervencionista. Preferentemente democrático e de direito.

São essas as considerações que se pode fazer para demonstrar que, antes mesmo que doutrinadores do Direito abordassem o tema e que, por óbvio, sequer existisse o Direito do Trabalho, o Papa LEÃO XIII já tinha tido todas as ideias que conduziram depois à positivação dos direitos sociais.

AGC – 20241020+20241101

 

 

 

 

FONTES BIBLIOGRÁFICAS E REFERÊNCIAS CONSULTADAS:

 

BIBLIA DE JERUSALÉM. 7ª reimpressão. SP: Paulus, 2011.

 

CASTRO, Brunna Rafaeli Lofite. A Evolução Histórica do Direito do Trabalho no Mundo e no Brasil. Artigo publicado em 2010, no sítio do JusBrasil. Baixado em 16/08/2024, no endereço:

https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-evolucao-historica-do-direito-do-trabalho-no-mundo-e--no-brasil/111925458

 

CHARDIN, Pierre Teilhard (1881-1955) O Fenômeno Humano. São Paulo: Ed. Herder, 1970.

 

DURKHEIM, Émile. (1858-1917) De la Division del Trabajo Social. Buenos Aires: Shapire Editor, 1967.

 

LEÃO XIII, Papa (Vincenzo Gioacchino Pecci, 1810-1903). Encíclica Rerum Novarum, 1891. 17ª edição. São Paulo: Paulinas, 2009.

Pode-se baixar esta encíclica do endereço:

https://www.vatican.va/content/leo-xiii/pt/encyclicals/documents/hf_l-iii_enc_15051891_rerum-novarum.html

 

PIO XI, Papa (Ambroglio Damianno Achille Ratti; 1857-1939). Encíclica Quadragesimo Anno, 1931. Campinas, SP: Livre, 2022.

 

JOÃO XXIII, Papa (Angelo Giuseeppe Roncali, 1891-1963). Encíclica Mater et Magistra, 1961. 7ª edição. São Paulo: Paulinas, 1980.

 

WELLS, H. G. História Universal, vol. 3. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1968.

 

 

 

APENDICE

DOCUMENTOS DA DSI

A relevância e a importância da encíclica leonina, que chamou o Estado à responsabilidade sobre a questão social, repercutiu de uma tal maneira que até hoje é lembrada com novas Encíclicas e documentos papais.

A seguir e para quem interessar possa, apresentamos a sequência de todas as encíclicas e demais documentos que, começando pela RN, fixaram a DSI, em caráter definitivo:

1891 à Papa Leão XIII (Vincenzo Gioacchino Pecci, 1810-1903). Encíclica Rerum Novarum (A questão social)

1931 à Papa PIO XI – (Ambrogio Damiano Achille Ratti, 1857-1939) Encíclica Quadragesimo Anno (A restauração e o aperfeiçoamento da ordem social).

1941 à Papa PIO XII (Eugenio Maria Giuseppe Giovanni Pacelli, 1876-1958). Radiomensagem Urbi et Orbi do dia de Pentecostes, em 01/06/1941.

1961 à Papa SÃO JOÃO XXIII (Ângelo José Roncalli, 1881-1963) – Encíclica Mater et Magistra (A recente evolução da questão social).

1963 à Papa SÃO JOÃO (Ângelo José Roncalli, 1881-1963) – Encíclica Pacem in Terris (A paz na terra).

1965 à Concílio Vaticano II – Constituição Pastoral Gaudium et Spes (A Igreja no mundo de hoje).

1967 à Papa SÃO PAULO VI (Giovanni Battista Enrico Antonio Maria Montini, 1897-1978) – Encíclica Populorum Progressio (Sobre o desenvolvimento dos povos).

1971 à Papa SÃO PAULO VI (Giovanni Battista Enrico Antonio Maria Montini, 1897-1978) – Encíclica Octogesima Adveniens (Karol Józef Wojtyła, 1920-2005) (Sobre as necessidades de um mundo em transformação).

1971 à Sínodo dos Bispos – Documento A Justiça no Mundo.

1981 à Papa SÃO JOÃO PAULO II (Karol Józef Wojtyła, 1920-2005) – (Karol Józef Wojtyła, 1920-2005) – Encíclica Laborem Exercens (O trabalho humano).

1987 à Papa SÃO JOÃO PAULO II (Karol Józef Wojtyła, 1920-2005) – Encíclica Solicitudo Rei Socialis (Solicitude social da Igreja).

1991 à Papa SÃO JOÃO PAULO II (Karol Józef Wojtyła, 1920-2005) – Encíclica Centesimus Anno (No centenário da Rerum Novarum).

1995 à Papa SÃO JOÃO PAULO II (Karol Józef Wojtyła, 1920-2005) – Encíclica Evangelium Vitae (O Evangelho da Vida).

2001 à Papa SÃO JOÃO PAULO II (Karol Józef Wojtyła, 1920-2005)  – Encíclica Novo Millenium Ineunte (No início do novo milênio).

2009 à Papa BENTO XVI (Joseph Aloisius Ratzinger, 1927-2022) – Encíclica Caritas in Veritate (A Caridade na Verdade).

2015 à Papa FRANCISCO (Jorge Maria Bergoglio, 1936-2025) – Encíclica Laudato Si (Sobre o cuidado da nossa Casa Comum: mudança climática e ecologia).

2016 à Papa FRANCISCO (Jorge Maria Bergoglio, 1936-2025) – Exortação Apostólica Amoris Laetitia (A Alegria do Amor) – Sobre o amor na Família.

2020 à Papa FRANCISCO  (Jorge Maria Bergoglio, 1936-2025) – Encíclica Fratelli Tutti (Todos Irmãos) – Sobre a Fraternidade e a Amizade Social.

 

è PS: todos esses documentos podem ser baixados gratuitamente do sítio da Santa Sé, no Vaticano: https://www.vatican.va

è Ou digitando o nome do documento no Google. Ele busca o documento diretamente do sítio do Vaticano.